Dicas de vocabulário: do genérico ao específico

Uma das mais elementares dificuldades que os brasileiros enfrentam quando precisam redigir um texto mais “sério” do que a média das publicações e comentários nas redes sociais é a escolha das palavras mais adequadas para expressar os seus pensamentos. Como o vocabulário da maioria de nossos compatriotas é limitado ao exigível pelos temas corriqueiros das conversações cotidianas e aos termos técnicos essenciais à prática profissional, é notável a tendência de empregar, nos textos mais sérios, as mesmas palavras que se diria nessas situações menos formais, sem suspeitar da inadequação de seu significado ao sentido que se pretende comunicar.

Um critério objetivo extremamente útil para enfrentar o problema da seleção de palavras reduz-se a uma fórmula de memorização e aplicação bastante simples: “Quando em dúvida entre duas palavras, selecione a de significado mais específico”. A palavra de sentido mais amplo, com maior número de significados possíveis, sempre abrirá margem a erros de interpretação sobre a intenção do autor justamente devido à sua ambiguidade.

Uma maneira simples de aplicar esse princípio é consultar num dicionário os verbetes correspondentes e escolher a palavra que tenha o menor número de significados diferentes registrados. Por outro lado, nem sempre os dicionários registram todas as nuanças de sentido subentendidas no uso que se faz de uma palavra em uma determinada época. Assim, o escritor precisa não apenas conhecer os significados dicionarizados, mas dispor de ampla compreensão quanto às ideias implícitas na escolha das palavras por seus contemporâneos.

Vejamos alguns exemplos de palavras que, amplamente adotadas como “muletas” para um vocabulário pobre, poderiam ser substituídas com vantagem por outros termos mais específicos.

Verbo “cuidar”

CERTO: O enfermeiro é responsável por cuidar de pessoas doentes.

NÃO USE: O advogado é o profissional que cuida dos interesses dos seus clientes junto ao Poder Judiciário.

“Cuidar” é um verbo muito genérico, inespecífico, normalmente aplicável, no campo profissional, a babás (“cuidam” de crianças”), enfermeiras (“cuidam” de pessoas doentes) e profissionais assemelhados, tais como os “cuidadores” de idosos.

Um aspecto essencial do uso adequado do verbo “cuidar” é a dependência total do receptor dos “cuidados” em relação ao “cuidador”, tal como o bebê depende da mãe, o paciente, dos enfermeiros e, os idosos, dos “cuidadores”. Assim, não podemos dizer que um advogado seja um “cuidador”, exceto num sentido metafórico injustamente desabonador para a nobre profissão!

Em resumo, nos exemplos, você pode manter o verbo “cuidar” em referência ao trabalho dos enfermeiros. Já para os advogados, opções mais adequadas poderiam incluir os verbos “representar”, “promover”, “defender”, “proteger”, “escudar”, “preservar”, “resguardar” ou “salvaguardar”.

Finalmente, observe que, nas listas acima, eu não usei a palavra “errado”, substituindo-a pela expressão “não use”. O motivo dessa escolha de palavras é simples: nossa intenção aqui não é criar leis, mas aprender a nos comunicar. Então, da mesma forma que há muitas coisas que não são ilegais, mas não nos convêm, também há muitas coisas que a Gramática não proíbe, mas que não são recomendáveis ao escritor!

Verbo “possuir”

Use o verbo “possuir” apenas para se referir a relações de “posse” de objetos ou valores – ou seja, como sinônimo de “estar na posse de”:

CERTO: “Eu possuo um Camaro amarelo”, “Ele possui um milhão de dólares roubados”, “Ela possui uma linda coleção de sapatos”.

NÃO USE: “Ele possui uma linda família”, “Ela possui um bom emprego”, “Eu possuo um invejável currículo”, “João possui uma bela história de vida”, “Maria possui uma grave doença”.

Em todos os casos da lista “não use”, seria muito mais recomendável o simples e singelo verbo “ter”!

Verbo “bater”

CERTO: Uma ideia martelava sua cabeça.

NÃO USE: O marceneiro batia no prego

O verbo “bater” também é sinônimo de “espancar”, “surrar”. Ora, quando você “martela” um prego, sua intenção não é “espancar o prego”, mas “percuti-lo repetidamente até forçar sua penetração em algum tipo de material”.

Esse sentido do verbo “martelar” como sinônimo de “percutir repetidamente” é que o torna adequado à representação de uma ideia que se repete na mente de uma pessoa, “martelando” sua consciência.

Verbo “colocar”

CERTO: Coloquei todos os componentes nas prateleiras adequadas.

NÃO USE: Coloquei as meias antes de dormir.

O verbo “colocar” é mais bem empregado no sentido de “posicionar cuidadosamente com as mãos”. Para qualquer outra acepção, você sempre disporá de opções mais adequadas. No exemplo acima, você poderia “calçar” ou “vestir” as meias.

Artigo definido

CERTO: Localizei o artigo no livro que você indicou.

NÃO USE: Encontrei no livro a informação que procurava.

O artigo definido é chamado de “definido” justamente porque se refere a alguma coisa específica, e não a uma ideia abstrata ou conceito geral. Quando você menciona, no exemplo, “o livro” você precisa especificar a “qual livro” se refere. Caso contrário, use o artigo “indefinido”: “Encontrei num livro…”

Onde (advérbio)

CERTO: O verão é rigoroso na cidade onde nasci.

NÃO USE: As cartas onde registrei minhas ideias perderam-se no incêndio.

Prefira usar o advérbio “onde” apenas para se referir a um lugar físico: “a cidade onde nasci”, “o local onde trabalho”. Para outros sentidos, diga “em que”: “As cartas em que registrei minhas ideias…”.

Conclusão

Estes exemplos simples devem ter sido suficientes para entender o conceito: “quando em dúvida entre duas palavras, selecione a de significado mais específico”, isto é, mais adequado à ideia que você pretende comunicar. Os dicionários, por melhores que sejam, nem sempre registram todas as diferenças sutis no emprego de cada palavra – por isso mesmo, é fortemente recomendável que seus textos sejam lidos e revisados por um professor experiente até que você adquira confiança bastante em seu domínio sobre os significados das palavras. Confira nossos planos de curso e matricule-se já neste Curso Online de Redação.

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