Vovó viu a uva ou “a dica de redação mais furada de todos os tempos”

Nesta manhã, ainda mais uma vez entre centenas dos últimos 30 anos, li em uma rede social a dica de redação mais furada de todos os tempos: “Escreva frases curtas”.

Esse é o tipo de frase que me provoca urticárias porque, assemelhando-se a um pináculo do bom senso, na verdade desorienta mais do que informa, confunde mais do que educa, não resolve o problema a que se dirige e, para completar, é inteiramente falsa.

Sim, falsa. Não se preocupe em escrever frases longas ou curtas, mas frases do tamanho certo.

Mas estou me adiantando. Antes de explicar o que é uma frase “do tamanho certo”, precisamos perguntar o que é uma frase “curta”. Afinal, qual é o tamanho a partir do qual a frase deixa de ser curta? Cinco palavras? Dez? Vinte? Quarenta? Sessenta?

Ou seja, de cara, se você usa um adjetivo ao transmitir instruções a uma pessoa, você precisa definir clara, objetiva e inequivocamente o que significa esse adjetivo. Portanto, a dica “Escreva frases curtas” é inútil, porque não diz ao escritor qual o tamanho máximo da frase que ele deve escrever.

Se disséssemos, “escreva frases com, no máximo, 15 palavras”, poderíamos até criticar esse limite mas, pelo menos, teríamos um critério em mãos passível de obediência à falta de melhor argumento. Já a recomendação de “frase curta” é simplesmente exasperante, enlouquecedora, por sua absoluta ineficácia.

Como disse, não basta adjetivar: precisamos demonstrar; de preferência, com um exemplo prático. Tomemos uma frase perfeita por todos os critérios gramaticais, estilísticos e comunicacionais que se possa imaginar, um verdadeiro clássico da boa comunicação escrita:

Vovó viu a uva.

Por que dissemos que essa frase é perfeita? Porque é “curta”, contendo apenas quatro palavras?

Certamente, não. Essa frase é perfeita porque cada palavra contém um fragmento da mensagem, da ideia que o escritor deseja transmitir ao leitor! Observe:

QuemVovó
Fez o quê?viu
O quêa uva – isto é, uma uva específica, não um conjunto genérico de uvas!

Ou seja, não há sequer uma palavra inútil nessa frase! Se você disser “viu a uva”, o leitor perguntará “quem”? Já se você disser apenas “Vovó viu”, o leitor imediatamente retrucará “Viu o quê?”

Se, por outro lado, você escrever “Vovó a uva”, o leitor ficará coçando a cabeça ruminando mentalmente o que afinal, ó raios, você quis dizer!

Portanto, uma frase é perfeita quando contém apenas palavras úteis, isto é, que contribuem para o entendimento do significado da frase – ela mesma, a famosa “mensagem”!

Reescrevamos a “dica”. Em vez de “escreva frases curtas”, diga “elimine todas as palavras inúteis de sua frase”. Vejamos mais um exemplo prático:

A adorável anciã genitora de minha mãe contemplou esgazeada um lustroso exemplar individual do nobre fruto da videira.

Esse é o tipo de construção a que os professores de Gramática chamam “preciosismo” e que os professores de Redação chamam, no Português simples do dia a dia, de “enrolação”. Basicamente, o escritor está usando palavras e mais palavras para dizer, apenas, simples e precisamente, que “vovó viu a uva”.

De fato, apenas duas palavrinhas acrescentam alguma informação em relação ao original: “esgazeada” e “lustroso”. Assim, caso esses adjetivos sejam relevantes no contexto da comunicação, você poderia escrever:

Vovó, esgazeada, viu a lustrosa uva.

E a frase também seria perfeita, tão perfeita quanto a original, embora contivesse maior número de palavras!

Em resumo, você deve apenas incluir palavras relevantes em suas frases. Corte todos os excessos, os preciosismos, as repetições desnecessárias, os conectivos deslocados – enfim, tudo o que não for útil à comunicação com seu leitor!

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