Etimologia – a quase impossível tarefa de descobrir a origem das palavras que usamos no Brasil

Volta e meia, algum órgão de imprensa, pelas mãos de algum colunista abnegado, decide comentar os casos de “falsa etimologia” que infestam a internet. Trata-se de historietas que soam verossímeis para o cidadãos não versados em latim e grego, que atribuem uma “origem” completamente falsa a uma palavra de uso corrente no idioma. O fenômeno é, até mesmo, objeto de estudos acadêmicos, dado o seu potencial para produzir efeitos nefastos, como “o cancelamento de palavras com viés político e ideológico”.

Porém, a nosso ver, os casos de “falsa etimologia” não são uma doença, apenas o sintoma de um mal muito maior: a dificuldade imensa que o cidadão brasileiro comum enfrenta quando tenta descobrir a verdadeira etimologia de uma palavra qualquer de seu idioma.

Vi-me nessa situação hoje, ao ler a notícia sobre o cometa que será visível nos céus do Brasil neste domingo. Fiquei curioso: afinal, qual seria a origem da palavra “cometa”?

Comecei a busca pelo meu recém-adquirido, novíssimo, ainda com cheiro de papel novo, “Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa”, de Antônio Geraldo da Cunha, 4ª edição, da editora Lexikon. Reproduzo a seguir o verbete, exatamente como está impresso, com toda a formatação de caracteres do original:


cometa sm. ‘astro de luminosidade fraca, que gira em torno do sol, e em muitos dos quais forma-se uma longa cauda’ XIV. Do lat. cometa, deriv. do gr. kometes. No port. ant. o voc. ocorre predominantemente como feminino. || cometoMAN. CIA XX || cometoMANTE XX .


Muito bem: sabemos que a palavra vem do grego kometes. Mas o que tal palavra significa em grego? É isso que queremos saber quando pesquisamos a etimologia: o significado exato da palavra raiz, e é exatamente isso que não encontramos nesse dicionário!

Decidi, então, consultar o dicionário Priberam e, no final do verbete, encontrei a seguinte observação:


cometa

Origem etimológica:latim cometa, -ae, do grego kométes, -ou.


Mais uma vez, aprendemos que a palavra vem do grego, mas não temos a menor ideia sobre o que ela significava no idioma original.

Prossegui a pesquisa consultando o dicionário Aulete, onde constam estes dizeres no final do verbete:


cometa

[ê]

sm.

[F.: Do gr. kométes pelo lat. cometa. Ideia de ‘cometa’: comet(o)-, cometografia.]


Outra vez, chuva no molhado: o dicionário informa a palavra original, mas não esclarece seu significado.

A próxima parada foi ao dicionário Houaiss que, além de não ter um URL amigável para cada verbete, requer uma conta no UOL para acesso. Na aba “etim.” do verbete, encontramos o texto a seguir:


cometa (1344 cf. IVPM) ortoépia: ê

gr. komḗtēs, ou (no sentido definido), pelo lat. comēta,ae; o vocábulo era feminino no port. ant., por infl. da terminação; ver comet(o)-; f.hist. sXV comete


Por algum estranho motivo, parece que os dicionaristas da língua portuguesa decidiram em solene conclave que o cidadão em busca do significado etimológico de uma palavra deve ser fluente em latim e grego e especialista em decifração de abreviaturas.

Cansado dessa rotina, decidi pesquisar a palavra em outros idiomas. A resposta saltou imediatamente no dicionário francês Larousse:


comète

nom féminin

(latin cometes, du grec komêtês, chevelu)


Traduzo: “Substantivo feminino. Latim cometes, do grego komêtês, cabeludo”.

Está esclarecido! O que é um “cometa”? É um astro “cabeludo”! Detalhe: descobre-se o significado sem necessidade de decifrar abreviações!

Em Inglês, o excelente website “Etymonline” oferece uma explicação ainda mais completa e esclarecedora:


comet (n.)

“one of a class of celestial bodies which move about the sun in great, elliptical orbits,” c. 1200, from Old French comete (12c., Modern French comète), from Latin cometa, from Greek (aster) komētēs, literally “long-haired (star),” from komē “hair of the head” (compare koman “let the hair grow long”), which is of unknown origin. So called from resemblance of a comet’s tail to streaming hair.


Tradução do verbete acima: “Membro de uma classe de corpos celestes que se movem ao redor do sol em grandes órbitas elípticas”, c. 1200, do Francês Antigo comete (12c., Francês Moderno comète), do Grego (aster) komētēs, literalmente “estrela de cabelos compridos”, de komē “cabelo da cabeça” (compare koman “deixar o cabelo crescer”), cuja origem é desconhecida. Assim chamado pela semelhança da cauda do cometa com cabelos esvoaçantes”.

É exatamente isso que queremos ler quando pesquisamos a etimologia de uma palavra! Não queremos apenas saber que a palavra original em grego (ou latim, ou árabe, ou tupi, ou em dialeto africano, ou…) era esta ou aquela, mas qual o seu significado original, qual foi a metáfora, metonímia ou analogia que deu à luz o significado atual! Porque os dicionaristas brasileiros e portugueses assim não procedem é mais um mistério para o qual terão dezenas de explicações, mas nenhuma justificativa.

Para não dizer que não temos esperança de acesso tão fácil à origem etimológica das palavras quanto os falantes de inglês e de francês, a empresa 7Graus mantém um site ainda incipiente, com reduzidíssimo número de palavras, em que é possível encontrar verbetes valiosíssimos como o que se segue:


Cometa

Vem da segunda parte da expressão grega aster kometes, literalmente “estrela de cabelos longos”, termo derivado de komes (“cabelo”; não há relação com koma, que deu o coma da linguagem médica). O nome foi dado pela nuvem luminosa que envolve o núcleo do cometa, que dá a impressão de uma longa cabeleira flutuando ao sabor do vento. Os antigos astrônomos falavam dos cometas como se eles tivessem uma estrutura análoga à de um animal, denominando suas partes de cabeça, cauda e coma (ou cabeleira), terminologia até hoje utilizada em Astronomia.


Este é o tipo de dicionário etimológico capaz de liquidar de uma vez por todas com a circulação de falsas etimologias entre nós. Basta simplificar, facilitar, tornar acessíveis as explicações verdadeiras de forma inteligível, sem essa profusão absurda de abreviações, pelo cidadão comum interessado em descobrir a origem das palavras em nossa língua. Se a empresa 7Graus dedicasse uma parte de seus recursos à expansão desse projeto, mediante formação de parcerias com universidades e captação de financiamento privado, mantendo esse espetacular padrão de simplicidade e riqueza de informações, prestaria um serviço de valor inestimável ao nosso país e a todos os falantes de língua portuguesa ao redor do mundo.

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